quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Portal "Testamento Vital": de onde viemos e para onde queremos ir.

Em abril de 2012, surgia o site www.testamentovital.com.br. Nessa época, eu tinha acabado de entrar no doutorado, na faculdade de Medicina da UFMG, e estava um pouco descrente no tema aqui no Brasil.

No meu mestrado, na faculdade de Direito da PUCMinas, em 2009, defendi a validade jurídica do testamento vital no Brasil e propus um projeto de lei sobre o tema. Em 2010 publiquei a dissertação pela editora Lumen Juris, com o título "Testamento Vital". Esse foi o primeiro livro publicado no Brasil sobre o tema.

Entre a defesa da minha dissertação de mestrado e a minha entrada no doutorado, eu tinha tentado com afinco que algum membro do Poder Legislativo federal levasse o projeto de lei para o Congresso Nacional. Contudo, a confusão do tema com a eutanásia impedia qualquer tratativa, mesmo diante dos meus esforços em explicar as diferenças.

Entrei no doutorado planejando escrever sobre objeção de consciência médica e, meu orientador, professor doutor Dirceu Greco, me convenceu de que eu deveria continuar estudando o testamento vital. Assim, nessa perspectiva, decidi criar o site.

Curiosamente, com o site no ar, descobri que o interesse sobre o tema era maior do que eu imaginava: pesquisadores, leigos, profissionais da saúde e do direito, de todos os lugares do Brasil entravam em contato comigo para fazer um testamento vital, para entender mais sobre o tema ou para pedir ajuda em pesquisas. 

Nesse momento, o "destino" deu uma mãozinha e o Conselho Federal de Medicina publicou, no dia 31 de agosto de 2012, a resolução número 1995/2012, reconhecendo as Diretivas Antecipadas de Vontade e dispondo sobre a conduta médica diante da manifestação de vontade do paciente. Quem acompanha meu trabalho sabe que tenho várias críticas à redação dessa resolução, contudo, sempre deixei claro a importância da mesma, especialmente na difusão do tema.  Entre agosto e dezembro de 2012, o site teve cem mil acessos!

Isso me animou a continuar na luta e, em dezembro de 2013, defendi minha tese de doutorado, cujo objetivo foi propor um modelo de Diretiva Antecipadas de Vontade para o país. Nessa época, o site já não bastava. Eu achava que tinha que melhorar a interatividade, que eu poderia contribuir mais com o tema, então, comecei a pensar em desenvolver um novo site, mais interativo, com mais conteúdo, com novos meios de comunicação entre eu e o público (leigo e profissional), mas, acima de tudo, decidi levar adiante o projeto que começou tímido: o Registro Nacional de Testamento Vital (RENTEV).

Desde minhas primeiras pesquisas sobre o tema, nos idos de 2007, sempre tive certeza da necessidade de implementação de um arquivo que centralizasse todos os testamentos vitais feitos no Brasil e que possibilitasse acesso ao procurador e aos profissionais de saúde de confiança do paciente. Na primeira versão do site, esse projeto já existia, mas a verdade é que ele nunca funcionou da maneira devida.

Então, no começo de 2014 comecei a me questionar o que eu podia fazer para melhorar. Nessa época, eu já tinha 3 livros escritos sobre o tema. O primeiro, " Testamento Vital", já estava em segunda edição, quase esgotado. Além disso, já tinha inúmeros artigos escritos no Brasil e no exterior. Já tinha proferido palestras em inúmeros lugares, em congressos cuja minha primeira participação tinha sido como estudante de graduação. Conheci Portugal para palestrar sobre o testamento vital. Já tinha tratativas com organizações de representação nacional para propor um projeto de lei sobre o tema no Congresso Nacional. Enfim, já tinha bagagem para alçar voos maiores.

Depois de conversar com muitas pessoas, principalmente meus amigos paliativistas, vi que o site precisava mudar e que era possível lançar o RENTEV. Assim, contratei a Agência Surf, reconhecida em Belo Horizonte pelo criatividade em desenvolvimento de sites, e após meses de conversa, planejamento e criação, no dia 03.09.2014, colocamos o Portal Testamento Vital no ar.

O portal não é apenas um site, é a porta de entrada para a discussão sobre a efetivação da vontade dos pacientes fora de possibilidades terapêutica. 

O primeiro passo foi mudar a logo. A antiga, fria, sem identidade, deu lugar ao tsuru, ave sagrada no Japão que representa a saúde, a boa sorte, felicidade e a longevidade. Diz a lenda que se uma pessoa fizer 1000 tsrus, usando a técnica do origami, seu desejo pode se realizar. 

Acredito que o tsuru tenha muito a ver com a filosofia do testamento vital: o ser humano deseja é repleto de desejos. Um dos desejos comuns a quase todos, é ter uma vida longeva, com saúde e um fim de vida sem sofrimento e angústia.  É os 1000 tsurus de origami para o  paciente que está fora de possibilidades terapêuticas e não deseja ser submetido à medidas heroicas para prolongar a vida, quando essa, na verdade já se esvaiu.

O tsuru é a alma do portal. Ao percorrê-lo, o usuário terá acesso: (i) à explicação sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade, (ii) a um passo a passo sobre como fazer seu testamento vital, (iii) às legislações estrangeiras sobre o tema, (iv) às minhas publicações, (v) ao meu blog, (vi) à minha agenda de palestras), (vii) ao RENTEV. Isso sem falar na possibilidade de mandar dúvidas, sugestões e críticas.

Assim, o Portal cumpre duas funções:

a) informar leigos e pesquisadores
b) criar o RENTEV.

Hoje, qualquer pessoa pode fazer um upload do seu testamento vital no site, indicar um procurador e gerar uma chave de acesso ao conteúdo do documento, para entregar a seu procurador e/ou ao profissional de saúde de sua confiança.

Certamente, esse projeto não está finalizado. Ainda há muito o que percorrer. Estamos agora, no começo da estrada e convido todos a caminharem comigo!





terça-feira, 8 de julho de 2014

Como os estudiosos portugueses estão analisando o modelo proposto pelo RENTEV

Obs: tomei a liberdade de, pela primeira vez nesse blog, reproduzir integralmente uma reportagem retirada de outro site. Trata-se da coluna de opinião de Laura Ferreira dos Santos e João M. Macedo, intitulada "Testamento Vital: um modelo confuso?", publicada no site www.publico.pt.

                                                 Testamento Vital: um modelo confuso?

Recentemente, foi aprovado um modelo facultativo de directiva antecipada de vontade (DAV). A questão é: esse modelo ajudará de facto a clarificar as ideias de quem quer elaborar um testamento vital, ou vai torná-lo confuso? Na nossa opinião, este modelo tem várias zonas cinzentas, pelo que julgamos melhor elaborar um documento em texto livre. Vejamos:
1. Logo na secção intitulada “Situação clínica em que a DAV produz efeitos” identificamos uma condição de saúde que nos aparece com dois condicionalismos: terei de estar em “inconsciência por doença neurológica ou psiquiátrica irreversível, complicada por intercorrência respiratória, renal ou cardíaca”. Não basta que a inconsciência seja irreversível? Tem também de haver uma “intercorrência”, termo cujo significado a maior parte das pessoas até decerto desconhecerá? Não bastaria falar, como os andaluzes, de “deterioração cerebral grave ou irreversível”?. Se estiver irreversivelmente inconsciente mas sem intercorrências, não me deixam morrer em paz?
Por outro lado, nada é dito da demência de causa degenerativa em fase avançada, como pode ser o Alzheimer. Estas pessoas podem não estar já inconscientes, mas ter sido sua vontade antecipada não querer viver nessa situação, mas que se aproveite uma qualquer “intercorrência” que, se não tratada, conduzirá à morte, como uma pneumonia. Esta vontade será “validada”?
Tão-pouco se fala das opções de uma mulher grávida que entretanto tenha ficado irreversivelmente inconsciente.
2. Na secção “Assim manifesto a minha vontade clara e inequívoca de”, o modelo, dentro das opções, mistura hipóteses na forma afirmativa e na forma negativa. Por outras palavras: numa linha está em causa uma recusa e na outra pode estar logo uma aceitação. Não teria sido melhor seguir uma prática muito comum em inquéritos, em que se coloca a frase na afirmativa e se apresenta três hipóteses de resposta: Sim, Não e Não me pronuncio? Esta prática tornaria o modelo mais intuitivo e conduziria a um registo de leitura e decisão mais claros.
2.1. Detenhamo-nos um pouco nas hipóteses que foram apresentadas. Por ex.: “Não ser submetido a medidas de alimentação e hidratação artificiais que apenas visem retardar o processo natural da morte”. Sabemos, pelo estrangeiro, que houve pessoas a serem alimentadas e hidratadas artificialmente durante dezenas de anos, tendo alguns dos casos ido a Tribunal, a pedido dos próprios pais. Porquê? Porque aqui se levanta a questão dos limites da autonomia e de decidir se este tipo de alimentação e hidratação são um tratamento ou um cuidado básico, a dar “até ao fim”. Os profissionais de saúde não se entendem neste âmbito. Meter aqui a frase “que apenas visem retardar o processo natural da morte” só complica. Será que só me vão retirar essas medidas quando contribuírem visivelmente para a minha morte (líquidos que o organismo já não absorve, etc)? Eluana Englaro, depois de um acidente rodoviário, esteve em estado vegetativo persistente durante dezassete anos, contra a sua alegada vontade. O Vaticano disse que o coma era uma forma de vida (bem estranha, convenhamos), Berlusconi afirmou demagogicamente que ela ainda poderia ter um filho, logo devia continuar forçadamente em vida. Se não fosse a luta estóica do pai junto dos tribunais, Eluana talvez ainda estivesse biologicamente viva.
2.2. Para além do referido em 2.1., note-se que não há um único tipo de alimentação e hidratação artificiais. Quanto à alimentação, os andaluzes distinguiram três modalidades. Quanto à hidratação, o nosso formulário fala a princípio apenas numa entidade única – hidratação artificial –, mas depois refere a hidratação oral mínima ou subcutânea. Em que ficamos?
2.3. Quanto a querer receber ou não medidas paliativas e medicamentos que controlem a dor “com efectividade” (haveria lugar ao pedido de um controlo da dor não-efectivo?), pensamos que num país decente nem sequer se devia colocar estas hipóteses. Estas medidas são uma obrigação ética para qualquer profissional de saúde. Os andaluzes nem sequer falam nelas em geral, mas isolam a sedação paliativa, por ser geralmente a medida paliativa mais complexa e excepcional. Deste modo, as outras medidas paliativas são dadas por adquiridas. Mas é de recordar que, por causa da utilização da dita “sedação paliativa terminal”, vários médicos de um hospital de Madrid foram acusados de eutanásia. No final, todos absolvidos. Sentir necessidade de pôr as medidas paliativas no formulário diz muito da prática médica portuguesa quanto ao fim-de-vida.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

O Registro Nacional de Testamento Vital passa a valer em Portugal

Gente,

ontem, dia 01.07, entrou em funcionamento o Registro Nacional de Testamento Vital (RENTEV), em Portugal, após quase dois anos da aprovação da lei 25/2012. Por meio do RENTEV, que é vinculado ao Ministério da Saúde, os cidadãos portugueses poderão baixar um modelo de DAV e entregar em um Agrupamento de Centros de Saúde ou em uma Unidade Local de Saúde, que registrará o documento em um software, chamado de RENTEV.

Já deu uma olhadinha no modelo português? Concorda com ele? DÊ uma olhadinha neste lik e me conte o que achou: https://servicos.min-saude.pt/utente/portal/paginas/RENTEVDestaque.aspx

Abraço,

Luciana.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Será a hora de jogar a toalha? Apontamentos sobre o enunciado n. 37 da I Jornada de Direito da Saúde do CNJ

Nos dias 14 e 15.05.2014 o Conselho Nacional de Justiça realizou, na cidade de São Paulo, a I Jornada de Direito da Saúde. Desta, resultou um documento com quarenta e cinco enunciados sobre saúde.

Especificamente sobre as diretivas de vontade, foi aprovado o enunciado n. 37, que dispõe:

As diretivas ou declarações antecipadas de vontade, que especificam os tratamentos médicos que o declarante deseja ou não se submeter quando incapacitado de expressar-se autonomamente, devem ser feitas preferencialmente por escrito, por instrumento particular, com duas testemunhas, ou público, sem prejuízo de outras formas inequívocas de manifestação admitidas em direito.

Infelizmente, por questões pessoais, não pude atender à convocação pública do CNJ e enviar uma sugestão de enunciado, mas eu tinha esperanças de que, caso se aprovasse algum enunciado sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade, o fizessem baseados em estudos consistentes sobre o tema, mas não é isso o que se percebesse da análise do enunciado. Vejam porque:

a) O enunciado começa fazendo uma confusão de nomenclatura: não existe Diretiva Antecipada de Vontade ou Declaração Antecipada de Vontade. O que existe é Diretiva Antecipada de Vontade e Declaração Prévia de Vontade do Paciente em fim de vida (nome mais correto para o Testamento Vital, que é uma espécie de Diretiva Antecipada de Vontade).

b) O enunciado trata apenas da manifestação de vontade sobre tratamentos médicos, restringindo assim o conteúdo das diretivas, que, na verdade referem-se a tratamentos e CUIDADOS médicos.

c)  Quanto à forma, me parece temeroso que o enunciado equipare as diretivas antecipadas de vontade, à um negócio jurídico (cuja forma mais conhecido é o contrato que, para ter força executiva, precisa de testemunhas). Melhor seria reconhecer a que as diretivas antecipadas de vontade são uma declaração unilateral de vontade,  ou seja, uma manifestação de autonomia do indivíduo e, como tal, não necessita de testemunhas.
PS: importante ressalvar que, em uma Diretivas Antecipada de Vontade clássica, haverá, sempre, a nomeação de procuradores de saúde (mandato duradouro), que não se confunde com testemunha.

A verdade é que o CNJ perdeu a oportunidade de colocar uma pá de cal nas constantes confusões terminológicas. Além disso, era, a meu ver, a hora de se posicionar sobre questões controversas como: prazo de validade, possibilidade de incapazes com discernimento fazê-las, a necessidade de lei específica, quais cuidados e tratamentos podem ser recusados, etc. Mas, ao contrário, o enunciado n. 37 demonstra que o tema, apesar estar sendo muito discutido após a Resolução CFM 1995/2012 ainda é pouco entendido mesmo por aqueles que tem um "dever social" de sabê-lo.

Essa resolução, juntamente com a sentença da Ação Civil Pública tem me feito questionar se já não é a hora de "jogar a toalha", de desistir do meu sonho de um dia sermos um país que tratamos das Diretivas Antecipadas de Vontade sabendo o que estamos fazendo... Talvez seja a hora de entender que o Brasil será um dos únicos países do mundo a trabalharem as Diretivas Antecipadas de Vontade como sinônimo de Testamento Vital...

Ou talvez eu alimente a esperança de que as coisas mudem... Quem sabe?





quarta-feira, 14 de maio de 2014

Sentença na Ação Civil Pública proposta contra a resolução CFM 1995/2012

Vejam como a morosidade do Pode Judiciário nos afeta...

Vocês se lembram que, em janeiro do ano passado, o Ministério Público Federal de Goiás ajuizou a Ação Civil Pública n. 0001039-86.2013.4.01.3500, com a finalidade de ver declarada a inconstitucionalidade da resolução CFM 1995/2012. Como a decisão liminar reconheceu que a resolução é constitucional, foi interposto o agravo de instrumento n. 0019373-95.2013.4.01.0000.

Este agravo ficou concluso no gabinete do desembargador relator mais de um ano, sem qualquer movimentação e, como o processo em primeira instância não estava suspenso, o juiz proferiu sentença, publicada em 02.04.2014, reconhecendo a constitucionalidade da resolução. Contudo, fez as seguintes observações:

a) A resolução não regulamenta apenas as diretivas antecipadas de vontade de pacientes terminais ou que optem pela ortotanásia. Afirma, o MM. juiz que as Diretivas Antecipadas de Vontade valem para qualquer paciente que venha a ficar impossibilitado de manifestar sua vontade.

b) Apontou a necessidade de legislação sobre o tema.

c) Afirma que a família e Poder Público podem buscar o Poder Judiciário caso se oponham às Diretivas Antecipadas do paciente, bem como caso queiram responsabilizar os profissionais de saúde por eventual ilícito.

A decisão é muito boa no que diz respeito ao reconhecimento da vontade do paciente, mas ressalta a falta de conhecimento no Brasil sobre o instituto. Principalmente o que tange à falta de diferenciação entre Diretivas Antecipadas de Vontade, Testamento Vital e Mandato Duradouro. É uma pena que o Poder Judiciário tenha, mais uma vez, perdido a oportunidade de diferenciar estes institutos e se manifestar, pontualmente, sobre cada um deles.

Mas, é de pequenas batalhas que se conquista a vitória. Precisamos, neste momento, de conscientização do Poder Judiciário e do Poder Público sobre o tema. E mais, eu gostaria de ver uma manifestação do CFM sobre a colocação do magistrado de que "A resolução não regulamenta apenas as diretivas antecipadas de vontade de pacientes terminais ou que optem pela ortotanásia".

Cenas dos próximos capítulos... Vamos aguardar! E torcer.

Se quiserem ler a decisão, acessem nosso site:http://goo.gl/fmVO1Q.

Abraço,

Luciana.


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Eutanásia vs cuidados paliativos: uma distinção necessária

Euthanasia is not part of palliative care – declaration at the end of the ICPCN Conference

The ICPCN Conference, held in Mumbai, India, from 10 – 12 February has issued a declaration on children’s palliative care that calls for the Belgian government to reconsider their recent decision to allow euthanasia for children.

At the conclusion of the first ICPCN conference that took place in Mumbai, India a declaration, to be known as the ICPCN Mumbai Declaration 2014, was issued and signed by delegates. The declaration calls for all children with life-limiting conditions to have access to appropriate pain and symptom control and to high quality palliative care to meet their particular needs. It also calls on the government of Belgium to reconsider their recent legislation on euthanasia for children.
The declaration in full reads as follows:
We believe that all children (neonates, children and young people) have the right to the best quality of life. When they have life-limiting conditions they have the right to high quality Palliative care to meet their needs.
We believe that euthanasia is not part of children’s palliative care and is not an alternative to palliative care. It is imperative that we work together to improve access to children’s palliative care around the world, including ensuring access to appropriate pain and symptom control.
We call on all governments to transform children’s lives through the development of children’s palliative care, and in particular we urge the Belgian government to reconsider their recent decision to allow euthanasia of children.
This includes:
  1. Access to children’s palliative care within the children’s health care system
  2. Access to appropriate pain and symptom management (Including medications) for all children
  3. Supporting children and their families to be able to live their lives to the best of their ability for as long as possible.
This declaration was signed by both individual delegates and organisations present at the conference.
Joan Marston, CEO of the ICPCN said about the declaration, “Euthanasia is not and has never been a part of palliative care and we believe the answer to a child’s suffering is more and better palliative care services and not the ending of a child’s life.”

Disponível em: http://www.icpcn.org/euthanasia-is-not-part-of-palliative-care-declaration-at-the-end-of-the-icpcn-conference/

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Ap. Civ. 70054988266 TJRS


Prezados,

no dia 20.11.2013 o TJRS julgou uma apelação cível na qual o Ministério Público figura como apelante (veja abaixo). Trata-se da discussão acerca do direito de um idoso a recusar a amputação de um membro necrosado, direito este que foi interpretado como constitucional, supostamente por constituir ortotanásia, através do desejo manifestado pelo paciente por um testamento vital, em conformidade com a resolução 1995/2013.

Estamos diante do primeiro acórdão (pelo menos que eu tenho notícia) que analisou, diante do caso concreto, o testamento vital. Todavia, infelizmente, o que se percebe diante da leitura apurada da decisão é que o paciente fez manifestação de recusa de tratamento e não um testamento vital, uma vez que ele não estava em situação de fim de vida.

Ademais, o diagnóstico de depressão pode, como adotado em vários países, ser limitador da capacidade do paciente.

É uma importante decisão. Precisamos, entretanto, uniformizar conceitos e evitar que o Poder Judiciário adote o desconhecimento que tomou conta da nossa doutrina e comece a nomear toda manifestação de recusa de tratamento de testamento vital.

Abraço,
Luciana.



APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO. ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL.

1. Se o paciente, com o pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo psicológico, morrer para “aliviar o sofrimento”; e, conforme laudo psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida.

2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o processo natural.

3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal.

4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado testamento vital, que figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina.

5. Apelação desprovida.


Apelação Cível

Primeira Câmara Cível
Nº 70054988266 (N° CNJ: 0223453-79.2013.8.21.7000)

Comarca de Viamão
MINISTERIO PUBLICO

APELANTE
JOAO CARLOS FERREIRA

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover a apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Carlos Roberto Lofego Caníbal e Des. Luiz Felipe Silveira Difini.
Porto Alegre, 20 de novembro de 2013.


DES. IRINEU MARIANI,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Irineu Mariani (RELATOR)
O MINISTÉRIO PÚBLICO ingressa com pedido de alvará judicial para suprimento da vontade do idoso JOÃO CARLOS FERREIRA, “usuário-morador do Hospital Colônia Itapuã e ex-hanseniano” (fl. 2).
Sustenta que o idoso está em processo de necrose do pé esquerdo, resultante de uma lesão, desde novembro de 2011, que vem se agravando, inclusive com emagrecimento progressivo e anemia acentuada resultante do direcionamento da corrente sanguínea para a lesão tumoral, motivo pelo qual necessita amputar o membro inferior, sob pena de morte por infecção generalizada. Ressalta que o “paciente está em estado depressivo, conforme laudo da psicóloga Heláde Schroeder, que ainda atesta que o paciente está desistindo da própria vida vendo a morte como alívio do sofrimento.” (fl. 2). Ressalva que, conforme laudos médicos, o idoso não apresenta sinais de demência. Assim, pugna pelo deferimento do pedido para “suprir a vontade do idoso JOÃO CARLOS FERREIRA, RG 5007145898, expedindo-se alvará ao Hospital Colônia Itapuã autorizando ampute o pé esquerdo do paciente.” (fl. 3).
O juízo singular indefere o pedido, argumentando que “não se trata de doença recente e o paciente é pessoa capaz, tendo livre escolha para agir e, provavelmente, consciência das eventuais consequências, não cabendo ao Estado tal interferência, ainda que porventura possa vir a ocorrer o resultado morte.” (fl. 16).
O Ministério Público apresenta apelação (fls. 17-9), enfatizando que o idoso corre risco de morrer em virtude de infecção generalizada caso não realize a amputação. Advoga que ele não tem condições psíquicas de recusar validamente o procedimento cirúrgico, porquanto apresenta um quadro depressivo, conforme os laudos médicos juntados aos autos. Reforça a ideia de que “deve-se reconhecer a prevalência do direito à vida, indisponível e inviolável em face da Constituição Federal, a justificar a realização do procedimento cirúrgico, mesmo que se contraponha ao desejo do paciente, uma vez que reflete o próprio direito à sua sobrevivência frente à doença grave que enfrenta, bem porque não possui ele condições psicológicas de decidir, validamente, não realizar a cirurgia, ante o quadro depressivo que o acomete.” (fl. 18v.). Assim, pede o provimento (fls. 17-9).
O Ministério Público junta documentos a fim de suprir a carência documental suscitada pelo magistrado na sentença (fls. 21-8).
A douta Procuradoria de Justiça opina pelo desprovimento do recurso (fls. 31-4).
É o relatório.
VOTOS
Des. Irineu Mariani (RELATOR)
Eminentes colegas, temos um caso bastante singular. O Sr. João Carlos Ferreira, nascido em 4-5-1934, portanto, com 79 anos, usuário-morador do Hospital Colônia Itapuã e ex-hanseniano, está com um processo de necrose no pé esquerdo e, segundo o médico, a solução é amputá-lo, sob pena de o processo infeccioso avançar e provocar a morte.
Considerando que, conforme laudo psicológico, o paciente se opõe à amputação e “está desistindo da própria vida, vendo a morte como alívio do sofrimento”; considerando que, conforme laudo psiquiátrico, “continua lúcido, sem sinais de demência”, o médico buscou auxílio do Ministério Público, no sentido de fazer a cirurgia mutilatória mediante autorização judicial, a fim de salvar a vida do paciente; e considerando que o pedido do Ministério Público foi indeferido de plano, vem a apelação.
Com efeito, dentro do que se está a desingnar de Biodireito, temos:
(a) a eutanásia, também chamada “boa morte”, “morte apropriada”, suicídio assistido, crime caritativo, morte piedosa, assim entendida aquela em que o paciente, sabendo que a doença é incurável ou ostenta situação que o levará a não ter condições mínimas de uma vida digna, solicita ao médico ou a terceiro que o mate, com o objetivo de evitar os sofrimentos e dores físicas e psicológicas que lhe trarão com o desenvolvimento da moléstia, o que, embora todas as discussões a favor e contra, a legislação brasileira não permite;
(b) a ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar o sofrimento, morte sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o processo natural, o que vem sendo entendido como possível pela legislação brasileira, quer dizer, o médico não é obrigado a submeter o paciente à distanásia para tentar salvar a vida;
(c) a distanásia, também chamada “obstinação terapêutica” (L’archement thérapeutique) e “futilidade médica” (medical futility), pela qual tudo deve ser feito, mesmo que o tratamento seja inútil e cause sofrimento atroz ao paciente terminal, quer dizer, na realidade não objetiva prolongar a vida, mas o processo de morte, e por isso também é chamada de “morte lenta”, motivo pelo qual admite-se que o médico suspenda procedimentos e tratamentos, garantindo apenas os cuidados necessários para aliviar as dores, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.
Pois bem.
O caso sub judice se insere na dimensão da ortotanásia. Em suma, se o paciente se recusa ao ato cirúrgico mutilatório, o Estado não pode invadir essa esfera e procedê-lo contra a sua vontade, mesmo que o seja com o objetivo nobre de salvar sua vida.
Com efeito, o Papa João Paulo II, ao promulgar, em 1995, a Encíclica Evangelium Vitae, condenou apenas a eutanásia e a distanásia, silenciando quanto à ortotanásia. Isso é interpretado como implícita a sua admissão pela Igreja Católica, que é, como sabemos, bastante ortodoxa nos temas relativos à defesa da vida.
Sem adentrar na disciplina dada a esses temas pela Resolução nº 1.805/2006, do Conselho Federal de Medicina, e ficando no âmbito constitucional e infraconstitucional, pode-se dizer que existe razoável doutrina especializada no sentido da previsão da ortotanásia, por exemplo, o Artigo ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA ORTOTANÁSIA: O DIREITO DE MORRER COM DIGNIDADE, de autoria do Dr. Thiago Vieira Bomtempo, disponóvel no seu portal jurídico na Internet.
Resumindo, o direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. Em relação ao seu titular, o direito à vida não é absoluto. Noutras palavras, não existe a obrigação constitucional de viver, haja vista que, por exemplo, o Código Penal não criminaliza a tentativa de suicídio. Ninguém pode ser processado criminalmente por tentar suicídio.
Nessa ordem de idéias, a Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a cirurgia ou tratamento.
Conforme o Artigo acima citado, o entendimento de que “não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento, embora haja o dever estatal de que os melhores tratamentos médicos estejam à sua disposição”, é também defendido por Roxana Cardoso Brasileiro Borges. Acrescenta que o desrespeito pelo médico à liberdade do paciente, devidamente esclarecido, em relação à recusa do tratamento, “pode caracterizar cárcere privado, constrangimento ilegal e até lesões corporais, conforme o caso. O paciente tem o direito de, após ter recebido a informação do médico e ter esclarecidas as perspectivas da terapia, decidir se vai se submeter ao tratamento ou, tendo esse já iniciado, se vai continuar com ele.
No final do Artigo, Nota nº 8, o Dr. Thiago Vieira Bomtempo, reproduz mais uma passagem do entendimento da Drª Roxana Borges, a qual reproduzo: “O consentimento esclarecido é um direito do paciente, direito à informação, garantia constitucional, prevista no art. 5º, XIV, da Constituição, e no Cap. IV, art. 22, do Código de Ética Médica. Segundo Roxana Borges, o paciente tem o direito de, após ter recebido a informação do médico e ter esclarecidas as perspectivas da terapia, decidir se vai se submeter ao tratamento ou, já o tendo iniciado, se vai continuar com ele. Estas informações devem ser prévias, completas e em linguagem acessível, ou seja, em termos que sejam compreensíveis para o paciente, sobre o tratamento, a terapia empregada, os resultados esperados, o risco e o sofrimento a que se pode submeter o paciente. Esclarece a autora, ainda, que para a segurança do médico, o consentimento deve ser escrito.
Por coincidência, eminentes colegas, a Revista SUPERINTERESSANTE, nº 324, do corrente mês de outubro/2013, publica matéria sob o título COMO SERÁ SEU FIM? Nas páginas 83-4, fala justamente da ortotanásia e a possibilidade de o paciente detalhar quais procedimentos médicos quer usar para prolongar a vida, como diálise, respiradores artificiais, ressuscitação com desfibrilador, tubo de alimentação, mas também pode deixar claro que não quer retardar sua morte.
Tal manifestação de vontade, que vem sendo chamada de TESTAMENTO VITAL, figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina, na qual consta que “Não se justifica prolongar um sofrimento desnecessário, em detrimento à qualidade de vida do ser humano” e prevê, então, a possibilidade de a pessoa se manifestar a respeito, mediante três requisitos: (1) a decisão do paciente deve ser feita antecipadamente, isto é, antes da fase crítica; (2) o paciente deve estar plenamente consciente; e (3) deve constar que a sua manifestação de vontade deve prevalecer sobre a vontade dos parentes e dos médicos que o assistem.
Ademais, no âmbito infraconstitucional, especificamente o Código Civil, dispõe o art. 15: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
O fato de o dispositivo proibir quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo, a pessoa pode ser constrangida a tratamento ou intervenção cirúrgica, máxime quando mutilatória de seu organismo.
Por fim, se por um lado muito louvável a preocupação da ilustre Promotora de Justiça que subscreve a inicial e o recurso, bem assim do profissional da medicina que assiste o autor, por outro não se pode desconsiderar o trauma da amputação, causando-lhe sofrimento moral, de sorte que a sua opção não é desmotivada.
Apenas que, eminentes colegas, nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tenho que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o seu testamento vital no sentido de não se submeter à amputação, com os riscos inerentes à recusa.
Nesses termos, e com o registro final, desprovejo a apelação.


Des. Carlos Roberto Lofego Caníbal (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Luiz Felipe Silveira Difini - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. IRINEU MARIANI - Presidente - Apelação Cível nº 70054988266, Comarca de Viamão: "À UNANIMIDADE, DESPROVERAM."



Julgador(a) de 1º Grau: GIULIANO VIERO GIULIATO